Retorno

Postado por Simon Valadarez | Marcadores: , , , | Posted On segunda-feira, 6 de novembro de 2006 at 00:32

Chego ao porto e algo me diz que avancei.
Como? Se as vezes sigo longe sem notar que voltei...
A curva dos maiores horizontes nossos pés nunca sentem.
E da areia vão se apagando os rastros já banhados nos passos rumo ao mar.
Vejo que as águas não são o limite do que foi, nem do que virá.
Posso andar sobre elas.
Aqui no meu porto recolho as velas da coragem bruta.
Desço a âncora que toca a margem segura da vida.
Paro. Espero. Escuto o vento soprar mais uma vez,
Espero anunciar quando já for a hora de partir.
Navegando entre mundos,
Ora aqui, ora além mar, damos voltas e voltamos a nós mesmos.
Retornamos pra ver que ainda somos iguais,
Pretos ou brancos,
Seguindo sem saber se os mares e os mundos são quadrados
Ou redondos, como nos ensinaram os nossos pais.

MEMÓRIA I

Postado por Simon Valadarez | | Posted On quinta-feira, 2 de novembro de 2006 at 20:29

Já era fim do dia e as sombras desfilavam alongadas sobre as casas de pedra. Os rastros iam ficando para trás das últimas barreiras no caminho do sol que partia calando-se para a noite que chegava e já começava a lavar o laranja com azul escuro tingindo cada árvore, cada muro e até os velhinhos que subiam a rua se recolhendo no compasso do poente.
Irrompi pelo portão. Abri a porta. Atravessei a sala ampla até a janela que dava vista pro fundo da casa. Tinha pressa de ver o pôr-do-sol. Sempre me encantou o sol. Apoiei uma cadeira para alcançar os ferrolhos pesados da janela que finalmente cederia ao meu esforço pelo quadro vivo que sempre roubara meu fôlego desde criança - o sol descendo entre os vales das plantações dos girassóis que àquela hora costumeira olhavam comigo, todos os dias, a luz poente na vista do fundo da casa.
Naquele dia entretanto, quando abri as janelas, o sol estranhamente não estava lá. A multidão dos girassóis ainda olhava para mim. Mas como podia ser? Eu o vi, vi o sol passar entre as sombras das seis! Não podia ser verdade! Olhei para o relógio belisário no canto da sala. Ainda havia um restinho de sol quando corri casa adentro. Mas da minha janela o sol não era mais o mesmo sol das seis. Já nem era mais sol. Uma penumbra escondia meus girassóis imóveis, virados para mim, como uma platéia impassível, contemplando meu espanto no silêncio.
Fiquei parado, atordoado, tentando entender aquela noite que roubara precipitadamente o dourado rotineiro dos finais de todos os meus dias.
Enquanto ali, paralisado, já a noite sem luz misturava rapidamente o meu vulto com a silhueta da janela e os últimos contornos do campo de girassóis, um som seco e alto rompeu o silêncio logo atrás de mim. Antes mesmo de virar-me, ouvi a porta principal atrás de mim se abrir. Virei-me e vi um vulto que não me parecia estranho. A figura de um homem ofuscado por um brilho intenso que vinha lá de fora. A luz amarela que busquei todos os finais de tarde e se escondera injustamente naquela tarde, agora resplandecia ofuscante e redefinia as formas das paredes e dos caminhos dentro da casa. Então, caminhei em sua direção, refazendo o lance amplo do cômodo da sala que eu havia percorrido a pouco tempo até a janela dentro da casa. Só então vi também que os móveis estavam fora do lugar. Era como se um terremoto ivesse acontecido ali sem que eu percebesse enquanto eu me ressentia da ausência do meu sol e meus girassóis. Diminuí os passos. Vi brinquedos jogados pelo chão, cartas na mesa. Cartas seladas. Cartas rasgadas. E, bem perto, entre mim e o homem da porta, entre o meu sol poente que ele insistia em conter com sua silhueta familiar, pisei em algo que rangeu mas não partiu. Eram meus óculos. Tentei usá-los. Já não se ajustavam mais no meu rosto. Tentei chegar mais perto do sol atrás do homem por entre a porta aberta. Óculos quebrados. Lentes embaçadas. Pés tropeçando nos objetos, no chão. e quanto mais eu me aproximava da porta, mais clara se tornava a fisionomia do homem parado ali. Finalmente notei-me à mesma altura daquela pessoa inconvenientemente estacionada no portal entre mim e os raios do sol. Mas eu queria era sair logo e ver a razão de todos os meus dias – queria ver entre o fim e o início, entre as estrelas e o sol, as costas dos girassóis regidos sob a luz que tingia de ouro o prefácio das minhas noites.
Cada vez mais perto, cheguei até o homem da porta. A porta era um espelho. A porta era meu espelho que não vi. E o obstáculo que me opunha à visão desejada era simplesmente meu eu crescido, adultecido.
Seria meus sonhos adulterados em devaneio desnorteante ou a grandeza de todo adulto que se fecha em sua própria casa como os velhinhos que sobem a rua na hora do poente?
Vi então que o sol era tudo o que meus olhos buscavam, viam e criam todos os dias que ele estaria lá.
O sentido das sombras jamais seria pra mim maior do que tudo enquanto eu acreditasse que, comigo, o campo inteiro de girassóies buscava os raios do poente. Essas sombras gigantes do fim do dia não cresciam maiores que o coração de criança ainda que perdido no reflexo do homem no espelho.
Abrindo as janelas de casa vi a distância entre o que construíram ao meu redor e o meu mundo onde o sol se punha e, mesmo se pondo, ia-se assim, tranquilo como quem voltasse sem deixar que o medo raiar na noite onde meus girassóis cabisbaixos velavam em suas faces as sementes que acordavam junto comigo a cada manhã para vermos o dia nascer.
Tudo isso eu via e vivia num tempo onde a imaginação era a própria realidade. Numa estação eterna em que nunca caíra a chuva que inundasse as colheitas, nem a noite que aterrorizasse os sonhos, nem a neve que congelasse os rios. Um tempo em que nem o sol brilhara impiedoso que tivesse causado qualquer deserto. Uma época em que todo dia, à qualquer hora, era assim - uma vista da janela, luz dos olhos e no rosto vindo do dia dourado dando até logo para o dia às seis da tarde.

Memórias de infância.
Parte primeira.

PORTA

Postado por Simon Valadarez | | Posted On quarta-feira, 6 de setembro de 2006 at 09:43

Como a pedra que havia no caminho do grande poeta, tenho a porta bem no meio do meu.
Aparentemente forte, ela, a porta, parece definir se paro ou sigo, e o medo a torna maior e prepotente para decidir por mim.
Mas coragem é minha escolha pra seguir. Sigo descobrindo o novo das portas que se abriram, deixando para trás o desconhecido das portas que se fecharam.
Em cada caminho sei que estará sempre lá, uma porta, fechada ou aberta. Seguindo ou regressando por ela, o que me importa não é o encontro em si com a porta, mas o passo que dei adiante na escada, na estrada, na ponte ou no abismo... depois da porta... além da porta.

REENCONTRO

Postado por Simon Valadarez | | Posted On quinta-feira, 6 de julho de 2006 at 00:32

Encontrar você é como algo que espero em algum lugar entre o dia e a noite,
É um desejo real de em algum lugar no encontro dos olhos que sonham nas ruas, na multidão que volta pra casa, ouvir o som único de dois corações que pulsar como um só guardado sob o silêncio do nosso abraço.
E o mundo todo pára num espaço ao redor do nosso tempo onde o amor pode acontecer e existir pra sempre enquanto, agora, estou mais certo de que você está mais perto.
Depois da noite você vai raiar com o brilho do sol e ouvirei você sussurando pra mim que a voz da solidão não é maior que a minha canção de amor.
E se uma lágrima rolar, nascerá nova canção porque sei que você está aí.
E assim, querer amar e sonhar sempre valerá a pena.
E onde nossos corações baterem, longe ou perto, juntos ou jamais encontrados,
Serei sonho, você inspiração e a vida uma canção... pra quando você voltar.